Direto do túnel do tempo

Crônicas publicadas no jornal Correio Paulista, de Osasco:

Ah, por que fui escutar o que mamãe dizia?...



Andy Warhol, mestre da Arte Pop, disse que no futuro todos teriam os seus quinze minutos de fama. Profecia ou não, Andy estava certo. Temos hoje uma verdadeira enxurrada de “ilustres desconhecidos” que em nome da fama e (da grana) topam, literalmente, TUDO.

Doce ingenuidade a minha... menina obediente que eu só, fui seguir o conselho de mamãe: “Minha filha, estude. Só o estudo garante um bom futuro, uma profissão e dinheiro.” Devo admitir que na época em que minha amada mãe me dava este sábio e precioso conselho tudo fazia sentido para mim. Afinal, minha geração é fruto de mulheres que lutaram pela igualdade de direitos, trabalho, respeito, abaixo às Amélias, etc., etc. e etc...

Vejam só, trinta e poucos anos depois o que as mulheres se tornaram? Objeto. Sim, objeto no mais vil sentido da palavra. Produto comercial mesmo; descartável. A gostosona do anúncio de cerveja hoje, já não serve para o de amanhã. Olha que as latinhas pelo menos a gente recicla...

Mitos são criados com a mesma facilidade com que ratos se reproduzem – sem qualquer tipo de ofensa. Na interminável onda dos Shows de Realidade vemos tornar sucessos nacionais pessoas que tiram meleca do nariz utilizando todos os dedos das mãos, sem a menor cerimônia e com muita habilidade; ou a moça pura e educada – que se dizia Evangélica – rezava durante a noite e soltava palavrões que faziam até o mais boca-suja dos machões ruborizar diante de seu vasto repertório. Ainda há os decadentes famosos tentando voltar à cena, os pseudotalentosos em busca de uma oportunidade, a grande chance...

Somos obrigados a ver uma sucessão de besteiras – o que é por demais válido, pois colabora com o emburrecimento coletivo de uma nação cuja educação é demasiadamente precária – e um dos grandes ídolos do momento: um rapaz simples, que não teve chances de estudar e que suas frases são verdadeiras pérolas da língua pátria. Mas fazer o quê? Ele é a “a cara do Brasil”. Então eu pergunto: Até quando nós brasileiros vamos querer que esta seja a nossa cara?

E eu que fui ouvir minha querida mãezinha – eu sei, eu sei que foi com a melhor das intenções, amor e carinho.Gastei tanto dinheiro com mensalidades da Faculdade, livros, horas de sono perdidas devorando apostilas e cadernos (e olha que dormir pouco faz um mal para a pele!), anos investidos em estudo, cursos, seminários, trabalhos e outras cositas mais que auxiliam no investimento de uma carreira sólida, de um profissional bem preparado para um mercado competitivo e globalizado. Bobagem, ao invés disso deveria eu ter aplicado meu dinheirinho em algo que elevasse meu espírito e minha conta corrente, como por exemplo, academias, spa, peeling, silicone, lipoaspiração e lipoescultura, aquela pequena correção em algum lugar do rosto, e sabe Deus quais mais montagens e recauchutagens.

O que tenho eu – pobre mortal, invejosa e desconhecida – a dizer se não, estudar pra quê? Caras e bocas, bíceps, tríceps, abdome definido e aquela prótese de silicone resolve tudo; investimento com retorno garantido para o sucesso de uma carreira relâmpago-descartável, mas que garante uma poupança gorda!

É, “faiz paarrrrrti”...


Crônica publicada no jornal Correio Paulista de 17/05/2002


Saudades de um grande amigo



Quando nos vimos pela primeira vez, nos estranhamos; não houve nem simpatia, nem antipatia, apenas estranhamento. Afinal, disputávamos a atenção da mesma pessoa, de maneira diferente, mas disputávamos.

Aos poucos o estranhamento foi dando lugar à simpatia, ao carinho, à preocupação e fomos ficando mais e mais próximos. Gostava de vê-lo aos fins-de-semana, suas brincadeiras, seu charminho, o jeito sempre alegre e serelepe. Apesar de sua idade avançada, era ágil, esperto e cheio de novidades.

Éramos, agora, grandes amigos, amigo este que vinha alegrar as minhas refeições: café da manhã não dispensava uma (ou mais) fatia de pão de fôrma com margarina, mas se tivesse um pedacinho de bolo ou queijo, ou presunto também eram muito bem-vindos... Lambiscava sempre alguma coisinha no almoço ou jantar; Mas não importava, era sempre uma grande alegria vê-lo aparecer todo lépido na porta da cozinha, lambendo os beiços, sentindo o aroma da comida. Então iniciava o seu ritual, deitava-se no chão e rolava de barriga para cima querendo um carinho. Quando a questão era só filar uma bóia, ficava com o olhar fixo, gemendo bem baixinho, ou se não apelava para a tremedeira e batia os dentes, como se sofresse tanto... A tática dava certo, não resistíamos e o presenteávamos com um pouco da nossa refeição.

Uma de suas grandes distrações era roubar panos para estraçalhá-los. Já sabia, quando Lique sumia estava em companhia de algum pano em sua casinha.

Cachorro culto, todas as madrugadas seqüestrava o jornal do dono. A princípio o levava até a porta de casa, depois percebeu que podia ser mais bem informado se lesse as notícias primeiro; seu caderno preferido: o de Cultura!

Esperto que só, sabia a hora certa de tirar o time de campo, quando havia feito algo errado, quando falávamos dele ou quando era hora de fazer gracinhas para ganhar o nosso perdão. Era velho, bem velho, mas ninguém que o conhecia podia crer, pois sua agilidade, esperteza e atitude em tudo fazia lembrar um filhote.

Com tiradas de um animal treinado, este querido e inteligentíssimo vira-lata me surpreendia a cada semana. Sua última façanha: levar para o quintal os pedacinhos de alimento que lhe dava. Por quê?... simples, ele sabia que se não comesse o que eu lhe dava tomava bronca, então levava o que ganhara para o quintal, experimentava, se gostasse voltava para pegar mais – se não –, abandonava lá fora; ninguém veria, logo não teria bronca!

Lique era assim meigo, inteligente – mesmo com toda sua idade – extremamente saudável, não tinha doenças humanas, porque era um cachorro muito amado, mas tratado como tal; Daí tanta energia, tanto brilho, brilho apagado pelas rodas de um automóvel, que o transportou para a sua viagem derradeira. Sua parada? Um plano onde deve certamente haver um lindo cenário, muitos panos, cadernos de Cultura e pão de fôrma com bastante margarina, pra ele brincar e ser feliz...
Aqui, ficam as saudades, sua roupinha e casinha e as recordações de um grande amigo que não voltará mais.


Crônica publicada no jornal Correio Paulista em 2002



Quero o meu mensalão!


Nos 80, ouvíamos uma canção: “Ideologia, eu quero uma pra viver”. O que diria hoje o poeta pop se fosse vivo hoje? Ninguém sabe ao certo...

Mas eu sei o que eu vou dizer: Quero o meu mensalão! Isso mesmo. “Quero a parte que me cabe neste latifúndio!” Tenho direito. Afinal, direta ou indiretamente somos todos responsáveis, logo temos direito a uma fatia deste gordo bolo!

Como assim, direta ou indiretamente?... Explico, ainda não se sabe bem a origem da grana, se é dinheiro público ou caixa 2 de empresas; muito bem, se for público, o dinheiro é meu, porque o que não falta é imposto para pagar; se for caixa 2, é fruto de sonegação e o que o governo faz para cobrir o déficit? Aumenta a sua, a minha a nossa carga tributária – desculpe, se não pertence à classe mérdia, não estou falando com você. Mas voltando ao assunto, por isso digo que o dinheiro é meu! E ainda que este meu argumento fosse pouco, tenho outro: votei em muitos dos pulhas que estão lá em Brasília enchendo as burras às minhas custas, eu ofereço a eles o passaporte da alegria e o que ganho em troca? Nada mais justo, quero a minha parte.

Louca eu? Não. Loucura é pegar condução lotada, fazer contas todo mês, acreditar que há políticos honestos, achar que Michael Jackson é inocente, que a Débora Secco é uma boa atriz... e por ai vai.

Por isso, chega! Quero o meu mensalão! Quero desfrutar dos dividendos que sempre paguei, e meu pai, e o pai de meu pai, e o pai do pai de meu pai...

Desejo, ambiciono, quero o mensalão para abrir conta num paraíso fiscal, ir para o exterior quando a Amazônia virar deserto.


Quero o mensalão! Chega de carro popular, o barato é andar de carrão importado, vidros escuros e motorista particular. E num dia desses sem muito compromisso, pegar o meu cachorro do tipo chaveiro (àqueles minúsculos a tira-colo), passar o dia num salão coiffeur desses bem badalados, tomar o chá da tarde e terminar o dia me acabando na Daslu...




Crônica publicada no jornal Correio Paulista em julho de 2005




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