Túnel do tempo II

Mais duas crônicas antigas, direto do túnel do tempo!


Onde está Paulinho Guerreiro?


Há certos lugares que compartilham fases importantes de nossas vidas, e por essa razão, acabam tornando-se igualmente inesquecíveis. Por exemplo, quem não se lembra de um local predileto para os esconderijos e brincadeiras da infância, a rua do melhor amigo, a praça ou o point da paquera, a porta do colégio, enfim, tantos lugares, várias emoções...

Mas há outros lugares que chamam a atenção por sua peculiaridade; e o amor me levou a conhecer um destes lugares.

Cidade de drásticos contrastes, íngremes ladeiras, ruas apertadas e casas de fachada precária. De um lado - ponto extremo - glamour, riqueza, casas estruturadas em condomínios luxuosos. De outro, ruas com buracos que podem nos transportar para o Japão sem escalas; falta de calçadas, pedestres e crianças nas ruas e pasme, postes no meio da rua; isso mesmo, no meio da rua. Por isso, não se assuste se um motorista bater num poste, nesta cidade ele não pode ser considerado propriamente um “barbeiro”!

E o exotismo deste lugar às vezes chega parecer infinito. É quase surreal a construção que está sendo terminada às margens do Tietê. A princípio parecia um alojamento para funcionários das obras próximas, mas aos poucos o prédio foi tomando forma e, acredite, trata-se de um motel; é, um motel às margens do romântico e límpido Rio Tietê, para que os amantes possam se sentir como em Veneza. Creio eu...

De um ponto alto da cidade podemos avistar um enorme lago, tão profundo que dizem que daqui a alguns anos irá engolir a cidade inteira. Lenda ou boatos à parte, a verdade é que tal lago poderia ser fonte de lazer, turismo e orgulho; no entanto está ocultado por um lixão, que compromete não só a beleza, mas também a saúde deste lago. Este lixão já foi objeto de desejo de extensas reportagens, discussões e análises; até hoje ele continua lá, tanta agitação e nada resolvido.

Mas nossa adorável — por que não? — cidade não pára, e em sua lista de excentricidades. Há, também, um sem número de “apelos ao consumo” que batem à porta das cassas, como os vendedores de ovos, sabão e produtos de limpeza, colchões, frutas e verduras, entre outros milhares de produtos, que insistem em acordar os moradores aos finais de semana com aqueles auto-falantes e suas frases feitas:“Leva ovos extra fresquinho, uma dúzia por um e cinqüenta...”

Mas dentre todos estes operários da economia informal houve um que se destacou com menção honrosa por sua criatividade e chatice extremas. Falo de Paulinho Guerreiro — o vendedor de pães — surgiu da mesma forma que desapareceu, num estalo de dedos; mas sua breve passagem ficará para sempre na lembrança dos moradores das ruas por onde passou, com seus dizeres diferentes e pretensiosos, como “ ... compre o pãozinho Guerreiro, 10 por 70 centavos.”; ou quando resolvia atacar de dublê de cantor: “ Psiu, psiu, coisinha linda do bumbum empinadinho...”

Tentou também vender sorvete e fazia questão de conversar com seus fregueses falando ao microfone para que todos ouvissem: “... obrigado, Deus te abençoe; te devo vinte; só isso?”, etc.,etc,etc.

É, de todos que passam, Paulinho Guerreiro passou, mas com certeza ficou; esta figura pitoresca se fez memorável ... Por onde andará? Talvez esteja em outra freguesia ou percebeu que mascatear não era bem o seu negócio, quem é que sabe?...

Esta cidade, que de certa forma adotei, abriga particularidades únicas, como por exemplo, o hábito de se baixar os faróis do carro quando se cruza com outro; caso não se faça isto, farol alto na cara. E na contra-mão — literalmente — deste fato podemos apreciar cavalos, bois ou carroças passeando calmamente pelas ruas ao lado de Fuscas e Hondas.

Outro acontecimento único e muito noticiado foi o das terríveis piranhas que invadiram o lago de um parque. A providência do Prefeito para exterminá-las foi simples, um festival de pesca, e depois, dá-lhe churrasco de piranha!

Aliás, falando em Prefeito, este é uma atração à parte. Afinal, um político cujo apelido denota sujeira, o resultado de sua administração não poderia ser diferente: uma cidade suja, ruas cheias de buracos e um total descaso e falta de comprometimento com a sociedade.

Neste local, o dial é povoado por rádios comunitárias, que tocam músicas bregas e não cumprem o papel que deveriam, apenas atrapalham a sintonia das emissoras oficias.

E para completar este nervoso, mas também bem-humorado cenário local, existe uma guerra travada todas as noites, a guerra entre o tão sonhando silêncio daqueles que precisam dormir e a patrulha de vigilância particular que insiste, mesmo sem pagamento, passar a noite inteira disparando sua horrível sirene, crente de que pode defender a ordem e a segurança dos moradores.

Ah, e quase me esqueço de um companheiro noturno, o galo do vizinho, estressadíssimo canta não só ao amanhecer, mas sim a noite e madrugada inteira; e pior, o galo do outro quarteirão responde...

Em: julho/1999





Pilhas dão barato?

Para Carlos Taira


Dia desses li algo no jornal e ouvi o meu colega de curso, Taira, indignado dizer que o Dominó havia engolido umas pilhas. Que Dominó?... foi o Polegar. O bem lôco do Rafael... Ah, tanto faz, Dominó, Polegar... Afinal, para se jogar dominó é preciso usar o polegar! 

Nossa, falando em polegar, lembrei daquela música patética cantada por aquela lourinha, sabe aquela que já ta nos trintinha, mas teima em fazer voz de menininha? “...os dedinhos, os dedinhos, onde estão? Aqui estão...” Bah, olha só o que eu fui me lembrar...

Mas voltando ao assunto, fico aqui perdida em meus pensamentos e com essa pergunta que tanto me atormenta: O que faz uma pessoa engolir pilhas?

Meditando extensamente sobre tão importante assunto – que me fez perder horas de sono – cheguei à seguinte indagação: Pilha dá barato? É, porque no caso do Rafael ele só ingere, inala, engole, introduz e, por aí vai, coisas que possam deixá-lo ligadão. É isso(!!), ele engoliu as pilhas para ficar ligadão. Mas seriam pilhas palito ou das pequenas, tipo AA – 1.5 volts? Até porque, se for Duracell o efeito será muito maior (é a pilha que dura, dura...). Não. Já sei. Da primeira vez Rafael engoliu pilhas das simples, como a Ray o Vac ou Everedi, e o barato durou apenas algumas horas. Então, nosso bem loco amigo teve a grande idéia: engolir das alcalinas e fazer o barato durar pelo menos um dia. Isso mesmo, o pobre Polegar, utilizando o seu fura-bolo e o mata-piolhos, pegou as ditas pilhas alcalinas e... glup, mandou-as goela abaixo – para ficar ligadão.

Ufa, agora poderei dormir mais tranqüila. Minha descoberta será de grande valia para casos semelhantes... Ih, esqueci de nas minhas investigações apurar dois detalhes de relevante importância para a evolução da humanidade: um deles é se o Rafael engoliu as pilhas a seco, com água, refrigerante ou bebida alcoólica; e o outro é como seria a dolorosa saída natural das alcalinas...


Em: março/2000

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