De outros carnavais


Lembro-me, quando criança ou adolescente, de ouvir meus pais e meus avós, em tom professoral, falarem: “no meu tempo era diferente!”; “no meu tempo não tinham essas coisas...”. Na época, confesso que achava chata essa comparação, ou, pelo menos, não via muito sentido nisso.

Mas agora começo a entendê-los. Não se trata de querer que o tempo pare, que as pessoas, acontecimentos ou coisas fiquem imutáveis. Trata-se – de um lado – de uma gostosa nostalgia (por que não?). A nostalgia em certa medida é saudável, nos faz lembrar de fatos, pessoas, comidas, objetos etc. que nos foram queridos, fizeram parte de uma fase boa e que, sabemos, não voltará mais e que outras gerações não poderão ter as sensações que tivemos quando vivenciamos “estas nossas coisas tão especiais”.

Por outro lado, existe algo que vai além da agradável nostalgia, e aí fico preocupada. A época em que vivemos traz consigo muitos recursos materiais e tecnológicos; um manancial incrível de marcas, produtos, serviços, intervenções de toda sorte para manipular corpos, rostos, cabelos... Nunca a humanidade teve tanto ao seu dispor.

Em contrapartida, nunca as pessoas estiveram tão super superficiais. Numa roda de bate papo, hoje, exige-se – no máximo para qualquer assunto – a profundidade de um pires. E, por favor seja banal; não vá querer discutir a crise econômica mundial, a sucessão da presidência da Câmara e do Senado, filosofia, sociologia ou outra ia que o valia! NEM PENSAR, sorria, (e sendo mulher) jogue os cabelos, molhe de leve os lábios. E, se bebe, pode encher a cara; aí fica melhor, não vai falar – mesmo – coisa com coisa!

Outro item muito em alta nos tempos atuais é o visual. Vale a pena caprichar bem no layout: corpo com tudo em cima – principalmente para mulheres – mas inclui também os homens; cabelos com cortes e penteados imitando as celebridades do momento e, mais uma vez, se for do sexo feminino, invista na maquiagem, de preferência carregada na quantidade e cores – independente da idade – e com os cílios bemmmmm longos. Ah, claro, nesse pacote ainda entram todas as etiquetas que você possa exibir pelo corpo (não importa quão agarrada seja a roupa – nesse caso, para ambos os sexos – ou minúscula, para as mulheres); além dos acessórios in do momento, seu celular e o carrão (em quantas prestações forem possíveis fazer. Pagar já é outra história...).

É preciso, ainda, ser extremamente popular nas redes sociais – ainda que ao vivo e em cores você não encontre um amigo há séculos, ou seja a pessoa mais anti-social e insossa da face da Terra. Também é necessário gostar do que “todo mundo” está gostando e isso se aplica ao vasto universo da atual cultura de massa: novelas de horário nobre e seus “queridos personagens polêmicos”, músicas com os hits e ritmos do momento, artistas popularescos, celebridades instantâneas, reality shows e mais um número enorme de itens que engordam o pacote (descartável) do que você deve consumir para estar inserido no quadro social da atualidade. Sem esses itens, meu caro leitor, você está out, é um párea da sociedade moderna brasileira, um elitista patético que deve ser excomungado da modernidade líquida para todo o sempre, ficando restrito aos seus livros, suas músicas que ninguém entende (tão pouco vai baixar em seus MP3), seus filmes e novelas velhos e de enredos lentos, sua roupinha básica e discreta e seu carrinho mais ou menos. Você é pertencente a uma era que – para uma boa parcela – já era!

E então, fico me perguntando: estamos mesmo em uma democracia?

A liberdade de expressão é válida se você expressar o que querem que você diga. O politicamente correto serve para disfarçar uma maioria hipócrita e um ativismo de segmentos cada vez maior – no qual discordar não é válido para gerar discussões necessárias e saudáveis – mas tido como preconceito passível de punição. Gostar de material cultural e consumir coisas diferentes do que é imposto é quase um sacrilégio.

Pois tenho que dizer, sou do tempo em que ser diferente era o máximo (“Hey! Anos 80!“), do tempo em que a propaganda era (e usava como referência) a arte e não um monte de idiotices óbvias, metida a engraçadinha; que música boa tocava na rádio AM, para todo mundo poder ouvir; do tempo das novelas de Dias Gomes, Janete Clair e Ivani Ribeiro; do tempo em que as emissoras abertas de TV passavam festival de filmes do Mazzaropi e Hitchcock.

E digo mais, sou do tempo da conversa olho no olho, do café com bolo na casa da visita; do tempo em que pedir desculpas quando se erra é o correto e não (além de errar) fazer de conta que nada aconteceu. Sou ainda do tempo em que pedir por favor, com licença, era muito mais importante do que impor sua presença com penduricalhos de marcas famosas. Pois é... sou do tempo em que carnaval se fazia na raça, com a grana que a comunidade dispunha e, principalmente, pelo amor à escola, e não de enredos comprados, engessados e insípidos.Tenho mesmo que dizer: sou de outros carnavais.

Há quem possa sentenciar que estou amargurada ou sendo reacionária, mas refuto tais acusações com o argumento de que sou, também, do tempo em que a esperança sempre vence as adversidades. Sendo assim, ainda falarei (espero que seja breve!) que e o meu tempo é o “agora” e que nele a beleza está em ser natural, a elegância e a espontaneidade imperam; chique é saber se comportar de acordo com o local, pessoas e situações em que se transita, a educação é item indissociável de um ser humano minimamente civilizado. E, sobretudo, que o verdadeiro e único poder reside no conhecimento.

Evoé, esse dia chegará!

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