“Você tem fome de quê?”



Dia desses, vi numa revista de celebridades uma declaração da nossa excelentíssima President”a” alegando que o Brasil agora é um país de classe média que valoriza a arte, a cultura e a ciência.

Confesso que tal afirmação me gerou certos questionamentos e, não vou negar, um pouco de espanto. E como não sou uma pessoa egoísta (pelo menos procuro não ser!), vou dividir minhas perturbações sobre o assunto com você meu estimado leitor.

Começo a me indagar de qual país estamos mesmo falando, se é daquele que ainda possui mais de 14 milhões de analfabetos, para uma população de 194 milhões de habitantes. Não sou nenhuma expert, mas segundo meus cálculos esse número equivale a... deixe me ver... sim, a 7% da nossa nação.

Ou estamos nos referindo ao Brasil que se tornou refém de um assistencialismo perverso que há uma década está convertendo o brasileiro – que era um batalhador por natureza (e se orgulhava disso) – em uma malta de encostados, uma casta especial que acha bom e normal ser mantida por “bolsas mil” do que ter o sustento vindo de seu próprio trabalho? Diga-se de passagem, um mero boato e... zaz: revela-se mais um lado (antes inimaginável) do bom brasileiro: a revolta e o vandalismo. Não se sai às ruas para protestar por nada – e olha que motivos não faltam – mas bastou dizer que a farra do benefício acabaria e uma onda de violência sem precedentes tomou conta de todos, dispostos a agredir, depredar e vandalizar.

A classe média que eu conheço (há muito tempo) é aquela que rala em seus empregos, burocráticos ou não, dorme e acorda pensando no trabalho – muitas vezes sem registro em carteira ­–, manda e-mails muito após o expediente, sonha com o banco de horas e já está tão anestesiada que não consegue viver sem o “corporativês“ dentro e fora da empresa. Aliás, tudo virou uma coisa só. Essa classe média se enredou tanto em sua condição que já não consegue fazer ou ver nada além do seu cotidiano que precisa ser retroalimentado para sustentar suas despesas e seu estilo de vida: precisa pagar o colégio dos filhos, a assistência médica, a previdência privada, o plano odontológico, o caro condomínio (para se sentir mais seguro e privilegiado em suas altas torres, com espaço gourmet), a prestação do carrão zero, além da pesada carga tributária que financia o ciclo infinito do assistencialismo estabelecido; enfim, são tantos compromissos e tantos “você precisa fazer, parecer e ter” que não conseguem ver além desses tantos VOCÊ PRECISA!, um prato cheio para não se pensar muito e só acatar o que deve ser feito.

Pois bem, ainda em minhas divagações, penso que se temos hoje duas classes ditas como “média” – a nova e, digamos, a tradicional – vamos analisar agora o raciocínio da President”a”: a nova pelo que verificamos tem um gosto muito específico e, se podemos dizer que apreciam algum tipo de cultura, sem ser reacionária, arrisco que tal cultura seria àquela propagada em programas popularescos (a maior parte na TV aberta), com célebres artistas se contorcendo em algo chamado o Quadradinho do Oito, ou ainda cantores e cantoras de ritmos do momento – pancadões, hits melosos, sertanejos universitários, forrós de inferninhos... – cujas letras pouco se entende, pois se embolam de tal forma que aos ouvidos despreparados, tornam-se um único remi-remi em cima de incômodos sons. Isso, sem me prolongar, não contando as celebs do momento: atrizes-modelos, atores, apresentadores de “pogramas” e por aí vai; gente talentosa, de sucesso mesmo. Bem, não me atreveria aqui (apesar da fala da President”a”) a me enveredar por outras áreas das artes, tais como as artes plásticas, a solitária literatura, o teatro, a MPB ou a música erudita, acho desnecessário me estender a tal ponto.

Portanto, nem vou começar a falar sobre as Ciências. Ah, por favor, não insista! Levando-se em consideração que um pesquisador, mestrando, recebe uma bolsa de R$ 1.500,00, sem poder ter qualquer outro trabalho remunerado, e o auxílio reclusão (para quem não sabe é concedido aos dependentes de trabalhadores enquanto o segurado estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto) tem um benefício com teto de R$ 971,78. Acha mesmo, caro leitor, que vale a pena dizer mais alguma coisa sobre o país das Ciências?

Só me pergunto o seguinte: Ué... será que eu vivo no mesmo país que ela [a President”a”]?!

Cortinas de fumaça por todos os lados para esconder as verdades, a inércia e a corrupção, falseado no desenho de um país próspero, dinâmico e desenvolvido. Mas cuja realidade está nas entrelinhas para quem quiser, ou melhor, para quem conseguir ver.

Alguém mais exaltado pode me perguntar a que classe eu pertenço. Então, me adianto respondendo que diante do quadro atual, faço parte de uma categoria inclassificável - cujos gordos impostos pagos alimentam esse monstro de várias cabeças - porém, nós somos inclassificáveis porque pensamos, questionamos, e, nossos gostos não estão catalogados nas listas do que deve ser consumido; logo somos marginais inclassificáveis nessa Matrix Brasilis.

O que me consola é saber que apesar das aparências não estou só. Sei que muitos compartilham das mesmas indignações, gostos, pensamentos e visões que eu.

E, eis o meu país, um Brasil cheio de riquezas e potenciais que estão momentaneamente soterrados por ilusões de assistencialismos de toda a sorte e um consumismo desenfreado. Mas que uma hora vai emergir e ser o que realmente é: justo e grande e não o que dizem que ele tem que ser.

Por enquanto, vou parafraseando os Titãs: A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte.... A gente quer inteiro e não pela metade. A gente quer saída para qualquer parte.


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