Sonhos não envelhecem, mas temos que alimentá-los



 Há alguns dias, uma amiga – profissional muito competente que está buscando recolocação no mercado, depois de um drástico corte na empresa onde atuava – me contou algo que lhe aconteceu e que me fez refletir sobre questões ligadas ao trabalho, tempo livre e nossos projetos e sonhos; o que me levou a escrever esse texto.

Minha amiga leu a respeito de um parque temático, exclusivo para amantes de vinhos, que acaba de ser inaugurado na França. Como boa amante de vinhos, adorou a ideia (e confesso que eu também!), mais do que depressa compartilhou a notícia via WhatsApp com Cida, uma amiga apreciadora da bebida, com quem muitas vezes reúne as famílias para belos almoços regados a vinho. Entretanto, para a surpresa e decepção de minha amiga, Cida lhe respondeu que só nos sonhos poderia ir a Bordeaux visitar esse parque… Tentando não perder a graça, minha amiga ainda retrucou, dizendo “oui, oiu! Vamos, sim!”. E para derrubar de vez toda a empolgação, Cida responde a seguinte pérola: “Meu nome é trabalho!”.

Fiquei pensando na ironia desse fato: minha amiga que atualmente está sem trabalho (devido à crise) e, consequentemente, enfrentando todas as dificuldades e privações que uma pessoa atravessa em um momento como esse – e ainda agravado pela situação atual do país – não se intimidou com o fato, isso não a impediu, em momento algum, de se animar com a ideia de visitar o tal parque. Pelo contrário, ela não pensou nisso, projetou o seu desejo para quando tiver as condições de realizá-lo; sabe que sua situação é passageira, que vai se recuperar e no momento propício poderá se esbaldar no Bordeaux La Cité du Vin, degustando vinhos e fazendo tours pelas fábricas de bebidas. Ao passo que Cida, lecionando em duas grandes universidades particulares, com seu carro e apartamento quitados, solteira e sem filhos, se quer se deu a chance de pensar na possibilidade de programar-se para em uma de suas férias conhecer a Europa e também o parque.

Essa história nos mostra que o trabalho é uma parte importante de nossas vidas, tanto para nos realizarmos como profissionais, como para garantir nossa sobrevivência (em primeira instância) e o padrão de vida que ele nos proporciona. Contudo, se a questão profissional começa a ocupar os espaços que devemos preencher com outras partes de nossas vidas, isso pode se tornar um vício, no qual não há lugar para projetos, sonhos e pessoas queridas, porque não há tempo ou não conseguimos enxergá-los; exatamente como Cida.

Quem já não se viu enredado no famoso paradigma de ter condições financeiras para fazer coisas que queria, mas faltava tempo para isso. E quando há tempo de sobra, falta o dinheiro...

O que precisamos é buscar sempre um equilíbrio, o difícil caminho do meio, no qual nos dediquemos ao trabalho com competência e profissionalismo. Porém, sem perder de vista os nossos sonhos; separar um tempo para nada fazer, limpar a mente e se desligar do corre-corre cotidiano; sentar num banco de praça e tomar um sorvete, observando o movimento ao redor; desligar os celulares e nos conectarmos com nós mesmos, com nossos desejos, com as pessoas que amamos. Acredite, isso nos faz profissionais muito melhores e mais eficientes, pois estaremos movendo e realizando outras áreas da nossa vida. Isso alimenta a criatividade e nos deixa emocionalmente mais equilibrados e felizes; por consequência, renderemos mais nas atividades profissionais.

Essa prática, ao contrário do que as “Cidas” pensam não é ser irresponsável ou pouco profissional, como bem afirma Domenico de Masi1: “Há cem anos a idolatria do cansaço ainda era indispensável para que nos liberássemos da miséria, mas hoje, na maioria dos casos, ela representa apenas uma escravidão psicológica.”. Portanto, se programar para o tempo livre é ser consciente e maduro para saber que há uma ocasião para tudo. E mais: é saber administrar seu tempo de forma que haja espaço para outros aspectos importantes da vida; inclusive para sonhar, projetar, se programar e realizar.

Como diz a bela canção de Milton [Nascimento] e Lô [Borges] “sonhos não envelhecem”, mas temos que alimentá-los, sempre.



-



1De Masi, Domenico: O Ócio criativo - entrevista a Maria Serena Palieri, Sexante, Rio de Janeiro, 2000.

Comentários

Postagens mais visitadas