Para onde foram os afetos?


As redes sociais encurtam distâncias; muitas vezes trazem novidades em tempo real, possibilitam que vários amigos simultaneamente (ou quase) interajam, troquem experiências, compartilhem opiniões.
É também palco para expressões de todos os gostos e tipos. O que, por vezes, gera conflitos, visões divergentes e distorcidas sobre assuntos banais ou polêmicos.
Há histórias comoventes, vídeos engraçados, memes super criativas, Como também um sem fim de bobagens e coisas sem a menor relevância. Tudo fica ao gosto do freguês e da rede de amigos que cada um alimenta.
Nesse emaranhado de posts, fotos, vídeos e desabafos de toda a sorte, há espaço para mensagens religiosas de vários tipos e credos; bom dia; boa tarde; boa noite; bom final de semana; dia daqueles que só levantam de um lado da cama; dia do canhoto; dia da cor; do dente do siso e um vasto calendário que a maioria de nós desconhecia completamente até as redes sociais se aboletarem em nossas vidas.
Não podemos nos esquecer dos grupos! Formam-se grupos para absolutamente tudo: grupo da sala de aula, do departamento da empresa e, dentro do departamento, o grupo dos amigos mais chegados, grupos dos núcleos dentro da religião que cada um segue (oração, terço, juventude etc), grupos para se combinar um passeio - pode?!!- , grupos de pais de alunos e por aí vai... Mas o meu grupo favorito e, o mais louco de todos, é o grupo da família! Nele o paradoxo se estabelece. Pressupõe -se que a família é o nosso grupo social mais próximo e com maior vínculo. E, apesar disso, é preciso se comunicar com esses membros por meio de redes sociais! Não é incomum uma família estar de corpo presente em um mesmo recinto e cada indivíduo estar com os olhos fixos no seu dispositivo  enviando mensagens uns para os outros. É a morada do contra senso!
É, no mínimo, bem pitoresco observar como estão essas relações mediadas por telas, passando pela vitrine da rede, para que todos os amigos possam ver e saber o quanto aquele marido é louco por sua esposa, como o pet é lindo e inteligente, o amor incondicional aos filhos; o quanto os filhos adoram os pais, como aquela pessoa é feliz com seu trabalho...
Deixo claro aqui que não sou contra as redes sociais e tão pouco contra manifestar admiração e amor por alguém. A questão não é essa. A questão é o quanto esse indivíduo devoto e amoroso nas redes é, de fato, carinhoso, amável, gentil e feliz fora delas. Quantas vezes diz, olhando nos olhos, dos filhos, pais, cônjuges o quanto os ama. Se faz o seu trabalho bem feito e de boa vontade no dia a dia. Quantas vezes encontra pessoalmente seus amigos e fala para todos como é bom estar junto deles e poder abraçá-los.
É disso que se trata o meu questionamento. De ter a oportunidade de estar face a face com alguém que se ama e esse alguém estar mais preocupado em não perder o post que está enviando. De fazer uma visita a alguém e a pessoa gastar mais tempo com o seu celular do que com uma conversa pessoal. De estar reunido com quem se gosta e, cada um pegar o seu celular, todos e juntos, mas ninguém se vê. Depois, retornam às suas casas e enviam mensagens de "eu te amo", "boa noite", "Deus te abençoe!"...
Então, fica a minha pergunta: para onde foram os afetos?

Onde está a palavra, a voz com a entonação que nos dá a ideia do que realmente está sendo dito?
Cadê o olhar, o toque, o beijo... o estar próximo do gesto, do abraço?
É muito confortável recorrer a prateleiras cheias de frases prontas, com florzinhas, bebês fofos ou gatinhos dentro de xícaras, vídeos apelativos sobre o quanto se deve viver intensamente, amar a todos, abençoar a vida...
Mais uma vez, quero deixar claro que não sou contrária ao uso desses recursos. Admito que são extremamente meigos e adequados para várias situações, às quais também faço uso.
O que estou me referindo é o quanto algumas pessoas estão desperdiçando a oportunidade de demonstrar sentimentos genuínos, aqueles que sempre soubemos trocar sem a necessidade de expor para 250 mil amigos, sem a mediação de dispositivos, ou a necessidade de uma frase pronta, criada por outra pessoa, para ocasiões que pedem uma expressão espontânea, viva, real. Vejo a frequência com que isso acontece e me assusto...
Sinceramente, acredito que há circunstâncias e limites para o uso das redes e das mensagens prontas. E, principalmente, o limite da distância física. Elas [as redes] servem para trazer para mais perto os que estão distantes e não distanciar quem está próximo.
Ter consciência desse limite ajuda o individuo a não fazer parte dessa vitrine de sentimentos, a ser uma pessoa de carne e osso e não um avatar! A dizer olhos nos olhos tudo o que sente, tudo o que gosta e o que detesta. Entretanto, alguns decidiram aprisionar seus afetos nas telas e isso é lamentável...

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