Tire as máscaras, use máscara!





Vivemos momentos difíceis em todo o Planeta, sem dúvida. De repente, iniciamos uma guerra silenciosa contra algo que não vemos e que mal conhecemos, mas que tem um poder devastador.
Em meio a uma avalanche de incertezas das mais variadas ordens, sobretudo em um país no qual as questões sanitárias são preocupantes desde sempre, uma economia capenga e saúde pública relegada ao último plano, somadas à insanidade e ao desprezo absoluto pela vida que dominam o poder central no Brasil, é extremamente difícil em âmbito coletivo manter o equilíbrio e a esperança.
Mas não vou me estender aqui nas questões exaustivas e mesmices políticas, não vou engrossar o coro que dá audiência para o mal... Rezo e espero que a justiça, o bom senso e o bem vençam.
Quero falar de coisas que venho observando, no mínimo, curiosas e que são responsáveis pelo enfrentamento melhor, ou pior, desse período inédito que estamos passando.
Leio avalanches de matérias, textos, posts, vídeos, comentários, entre outros, sobre a dificuldade de ficar em casa com a família, como entreter as crianças, o que se DEVE fazer durante o confinamento etc. O que me chama mais a atenção é a questão como lidar com a convivência familiar. O problema, então, é como coexistir em família em tempos de pandemia, correto?! Vejo tal situação com uma certa ironia, se pensarmos nas enxurradas de posts que invadiam as redes até o início da quarentena. Coisas do tipo: “minha família é tudo!;  graças a Deus mais um momento em família.; dia maravilhoso com meus filhos; final de semana inesquecível com o amor da minha vida!...” e por aí vai. Se tudo isso era de fato verdadeiro, qual é a dificuldade de aproveitar essa fase de quarentena para ficar ao máximo em companhia dessas pessoas tão amadas?
E fico pensando com os meus botões: ué, onde estão todos aqueles que postavam o tempo todo o seu amor, a sua felicidade e a importância de estar sempre com a família?! Onde está a gratidão a Deus por ter em suas vidas os filhos lindos, inteligentes, a esposa maravilhosa, o marido amado, os pais incríveis, irmãos unidos... Provavelmente estão fartos em dividir poucos metros quadros de um apartamento com 4 ou 5 pessoas, ocupando o mesmo espaço; afinal se pudessem sair tudo estaria bem; o problema é esse vírus, a droga da quarentena... Será?  Ou seria porque até então essa convivência durava não muito mais do que o tempo de algumas selfies e sorrisos para se postar em alguma rede? 
Não é incomum ouvir notícias de aumento de agressões domésticas, casais pensando em se separar; pais se dando conta de que nunca passaram um dia inteiro com seus filhos; enfim, desagregação total em muitos lares.
Na realidade, atravessamos um momento crucial para a humanidade no sentido coletivo, mas também para cada um como indivíduo.
Ao mesmo tempo que precisamos usar máscaras para sairmos de nossas casas (só quando realmente for necessário), temos que retirar todas as outras máscaras em que nos escondemos por anos e anos, construídas com os avatares necessários  e outros nem tanto  para a sobrevivência em sociedade: a máscara do funcionário, do chefe, da super mãe/esposa/profissional/dona-de-casa, do marido/pai/gente boa, do estudante nerd, do amigo devotado que posta lindas mensagens todos os dias no grupo, da super simpática sempre, da eterna vítima, do estudante rebelde, do não-faço-nada-da vida-e daí?, do classe média bem sucedido “que tem tudo”, do pseudo-intelectual, do militante de sofá, da pessoa poderosa... Enfim, não importa! Exato, não importa! Ainda que as redes sociais estejam aí e você use a sua máscara por trás das telas, o incômodo de estar confinado entre quatro paredes, de ter que se olhar dia após dia no espelho despido de todas essas máscaras mostra como somos todos comuns, iguais, vencíveis, MORTAIS... independente da conta bancária, grau de instrução, se se está em quarentena num cubículo de uma favela ou em uma ampla cobertura; o Coronavírus veio para desnudar todos as máscaras e fazer com que cada um se olhe no espelho e encare quem se é e como é de verdade. Esse vírus microscópico e fatal para muitos está revelando o melhor de alguns, assim como o pior de outros.


Já é passada a hora de revermos nossos relacionamentos e expectativas com o outro. Não é mais possível gostar de alguém com termos e condições (muitas vezes inconscientes), eu gosto/amo, mas... lá vem uma condição! É o querer bem desde que o outro aja, fale e pense o que eu espero. Lamento, mas isso é impossível. Devemos gostar/amar alguém apesar dos seus defeitos, porque aquela pessoa tem coisas boas para oferecer, também ama/gosta de você, mas tem vida e vontade próprias e isso é o belo das relações, só assim existe a troca. Se relacionar é aceitar (com concordâncias e discordâncias), saber o que cada um gosta e quer e não se impor   nem mesmo quando se acredita que  está “fazendo pelo bem do outro”  realmente sabemos o que é melhor para alguém?
O maior desafio, mais do que o de enfrentar essa pandemia é, sem dúvida, o de encarar a si próprio, sem máscaras, sem avatares e aproveitar a chance de se reavaliar, se reequilibrar, revendo valores e prioridades. E poder sair dessa mais forte, mais humano e melhor. Uma oportunidade única para aqueles capazes de tirar suas máscaras inúteis.



Observação: como os meus leitores são pessoas inteligentes, não preciso dizer que as máscaras as quais me refiro no texto são no sentido metafórico. As máscaras para prevenção da COVID-19 são obrigatórias e salvam vidas.

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