Negras Lágrimas


No dia 22 de setembro comemorou-se o dia do Rio Tietê. Eu disse mesmo comemorou-se?! Mas o que realmente temos para comemorar?

Quando pequena ouvia meu avô dizer que havia pescado no rio Tietê. Eu, uma menina com seus quatro ou cinco anos, perguntava espantada a ele como podia pescar ali se o rio era muito sujo, não tinha peixes... Sorrindo vô Nino me contava que nem sempre foi assim, que as pessoas nadavam, pescavam e se divertiam muito ali. “Por isso, têm os clubes Tietê e Espéria pertinho do rio, tinha competição de remo e natação!”, dizia entusiasmado o pai de meu pai, com seus olhos azuis cor de céu que brilhavam com aquelas recordações. E eu ouvia essas histórias num misto de desconfiança (podia ser uma espécie de conto para crianças como tantos que eu escutava) e de saudades por algo que não vi e não vivi.

Passado muito tempo, as histórias do meu avô, e de outras pessoas que tiveram o privilégio de ver limpas as águas desse rio, estão cada vez mais e mais distantes. Seu Nino já se foi desse mundo há anos e desde então a situação do Tietê só piorou.

Suas águas nascem tímidas em Salesópolis, como se fosse água que sai de uma bica, e vai se espraiando, se agigantando, atravessando o Estado de São Paulo e, na mesma medida que cresce, vai se tornando sujo, mal cheiroso, mal cuidado, poluído, sem vida.

Tentativas insípidas de despoluição que na prática não se vê. Há mais de vinte anos, bilhões são gastos e, em certos trechos dentro da cidade de São Paulo, o rio está praticamente morto. Uma dificuldade injustificável sob qualquer aspecto, uma vez que outros países tiveram seus rios mais importantes despoluídos e hoje são cartões postais, como o Tamisa, o Sena e o maior exemplo de todos (um tapa na nossa cara!) o rio Cheonggyecheon, em Seul – Coréia do Sul, que até o início dos anos 2000 era uma área degradada e poluída; com a coragem e iniciativa do Prefeito local, obras radicais foram iniciadas em 2003 e, creiam, em 2006 (1, 2, 3), sim, em apenas três anos a obra foi finalizada e entregue à população de Seul: um rio limpo, recuperado e com áreas verdes. Enquanto aqui... vinte anos (20!) e nada.

O descaso das autoridades e da população (da população, claro!) – as garrafas plásticas que bóiam no rio após as chuvas, acompanhadas de outros objetos flutuadores não identificados, são de responsabilidade única e total da nossa mal educada população que acha que qualquer chão, mato ou córrego serve de lixo.

Imagine se nos finais de semana ensolarados ao invés de se acotovelarem nas praças de alimentação dos shoppings, os paulistas pudessem fazer um piquenique às margens do Tietê, nadar, andar de barco, mergulhar em águas puras, claras, vivas. Por ora, as únicas criaturas com coragem e capacidade para enfrentar essas águas são as exóticas famílias de capivaras que vez ou outra são flagradas saindo das margens e tentando atravessar as marginais pela região de Osasco e Barueri.

E o transporte fluvial (imagine isso também!), as pessoas terem a possibilidade de deixar seus carros, ou transportes públicos terrestres e navegar em águas limpas e mansas, para passear, trabalhar, cumprir compromissos. Enfim, percorrer a cidade São Paulo e todas as cidades ao longo da extensão desse importante rio, cujas águas cortam todo o Estado – de leste a oeste – com 1.010 quilômetros de extensão até a sua foz, no rio Paraná.

A ironia é que as cidades que se estabeleceram ao longo do Tietê são as que apresentam o maior índice de desenvolvimento no Estado. Veja só, o rio dá riquezas e oportunidades e recebe em troca todo o lixo, sujeira e esgoto das mesmas cidades que ele ajudou e ajuda a crescer...

O Tietê agoniza com todo esse desprezo. E tal cenário faz com que as cidades por onde o rio poluído passa, morra um pouco a cada dia.

Quero crer que ainda nessa vida irei ver limpas as águas do rio mais importante do maior estado brasileiro; O rio onde meu avô nadou e pescou; O rio que hoje chora negras e caudalosas lágrimas.






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